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Andor - Porque não devemos desistir de Star Wars


“Liberdade é uma ideia pura.”

Manifesto Nemik

Se alguém, um dia, me pedisse para definir os anos 60 em uma única palavra, eu diria: Revolução

A década de 60 é profundamente marcada por uma mudança radical nas bases da sociedade ocidental, alterando as dinâmicas de poder no mundo. O cenário geopolítico criado no pós-guerra estremeceu os pilares que sustentavam a sociedade. Esse contexto político efervescente, por óbvio, teve um impacto poderoso no imaginário sociocultural da época e expressou-se também por meio de uma revolução artística.

Foi nesse ambiente que a academia americana, por meio da Universidade do Sul da Califórnia (USC), formou um jovem cineasta que viria a mudar para sempre a história da indústria do entretenimento.

George Lucas e Maggie McOmie no set de THX 1138

George Walton Lucas Jr. formou-se em 1966, aproximadamente dez anos antes do lançamento do Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977).

Essa digressão ao contexto em que a obra está inserida e ao seu criador não é gratuita, pelo contrário, é fundamental para entender como Andor, cujo finale foi ao ar em 14 de maio de 2025, se conecta de maneira visceral com a essência de Star Wars e para enxergar essas pontes, é indispensável revisitarmos o olhar de George Lucas e as inspirações que deram forma à obra original — compreendendo, assim, como essa série recente resgata as camadas políticas, revolucionárias e humanas que sempre estiveram no núcleo dessa galáxia muito, muito distante.

Mas que essência seria essa?

Lucas bebeu de muitas fontes diferentes para criar esse universo, algumas ficcionais, outras não ficcionais. As influências vão desde o cinema e a cultura oriental, com Akira Kurosawa, até o pulp norte-americano, com as óperas espaciais de Flash Gordon e Duna, de Frank Herbert, que traduzem o apelo sci-fi da obra, perpassando ainda pelo monomito de Joseph Campbell e, consequentemente, pela própria mitologia grega.

Nessa mesma obra, Lucas costura, junto a todas essas influências, um subtexto político, fortemente marcado pelo cenário internacional da época, conduzindo sua história sob uma ótica revolucionária.

Nas palavras de Joseph Campbell (1990), muitas vezes Star Wars aborda a perspectiva mitológica tendo como inimigo último o Estado e como esse Leviatã lida com a sociedade — na maior parte das vezes, dentro da franquia, como uma máquina que esmaga a humanidade e a coloca a seu serviço.

O fato é que a história e a política internacional foram influências determinantes na obra de Lucas. Afinal, o que é a ‘guerra’ senão também uma expressão política? Esse subtexto fica ainda mais evidente quando percebemos que, em Guerra nas Estrelas, acompanhamos um conflito civil. A obra apresenta para a audiência uma galáxia muito, muito distante, comandada por um império galáctico que detém o monopólio do poder nas mãos de poucos, oprimindo povos e planetas com poderio inferior, numa disputa assimétrica que traça paralelos claros com a Segunda Guerra Mundial — por exemplo, no uso de armas de destruição em massa — e com a Guerra do Vietnã, alegoria abertamente admitida por Lucas no documentário History of Science Fiction (2018), produzido por James Cameron e pela AMC.

Apesar de parecer secundário na trilogia original, a política faz parte da alma de Star Wars, tema que voltou a ser abordado com mais destaque nas prequels, o que evidencia ainda mais o quão George Lucas é Star Wars.

Essa simbiose entre criatura e criador parece ter se perdido um pouco com a difusão da obra. Em 2012, a Disney anunciou a aquisição da Lucasfilm — empresa que detém a propriedade intelectual de toda a obra de George Lucas — por US$4,05 bilhões.

Desde então, a franquia parece ter se esmaecido. Os temas que outrora impulsionaram as narrativas foram progressivamente diluídos em projetos que, na maioria das vezes, parecem priorizar apenas o apelo estético e superficial, deixando de lado o que Star Wars representa em sua essência.

E não me refiro aqui a discussões pontuais como ‘Luke jamais faria isso’ ou ‘Darth Vader foi mal retratado nessa série’. Não é sobre filigranas ou detalhes canônicos. É sobre a alma da franquia — aquilo que opera nas profundezas narrativas e move a história para além das aparências.

Vale lembrar que Lucas começou como um produtor independente, construindo sua carreira à margem da indústria, enfrentando resistências, lutando para financiar seus filmes, contando, inclusive, com o apoio de nomes como Francis Ford Coppola no começo da carreira.

Sob o domínio da Disney, o processo criativo de Star Wars, segundo o próprio Lucas, parece ter perdido de vista seus temas originais e consequentemente, a essência de seu criador. Star Wars sempre foi mais do que sabres de luz, naves espaciais ou guerreiros superpoderosos. É impossível sustentar uma franquia como essa apenas em cima do fan service, da nostalgia descompromissada, virando as costas para as raízes políticas, sociais e mitológicas que dão estofo a essa história.

Apesar desse cenário árido, algumas boas ideias conseguiram germinar, provando que, sem substância, o apelo estético não sustenta uma narrativa. Um exemplo emblemático foi Rogue One (2016), lançado ainda na primeira leva de produções da Disney, quando a relação entre o fandom e o estúdio vivia uma espécie de lua de mel — laço que viria a se romper de vez com o brilhante e controverso The Last Jedi (2017).

Elenco de Rogue One (2016)

O spin-off teve como mote levar, pela primeira vez, para as telonas, uma história de Star Wars secundária sob o ponto de vista narrativo da franquia, que sempre orbitou a família Skywalker. Trouxe um filme de guerra que tem como protagonistas membros da Aliança Rebelde. Com uma abordagem mais realista e crua, o filme mergulhou nas camadas mais mundanas do conflito, mostrando o que acontecia nas trincheiras do campo de batalha enquanto as lendas desse universo lutavam com lightsabers nos salões das naves espaciais.

Desse spin-off de sucesso nasceu seu próprio desdobramento. Da mente de Tony Gilroy, roteirista de Rogue One (2016), surgiu Andor, uma série que não apenas expande o universo da Rebelião, mas resgata com maestria o DNA político, humano e revolucionário que sempre guiou Star Wars — e que parecia ter sido deixado de lado desde que o produto saiu do controle criativo de seu criador.

Lançada em 2022, a série acompanha, pelos olhos de Cassian Andor, a gênese da Aliança Rebelde, narrando a radicalização de um povo diante do avanço implacável do Império e seu aparato de opressão. Gilroy, com um olhar perspicaz, revisita os temas originais da franquia e os atualiza para um contexto contemporâneo, desvelando as engrenagens burocráticas que sustentam o autoritarismo, abordando dilemas éticos, ambiguidade moral e a face sufocante do fascismo — tudo isso com um nível de storytelling e atuações que elevaram o padrão da franquia a um patamar jamais alcançado.


Andor coloca novamente em cena o medo como combustível do autoritarismo, a indiferença como pretexto, a propaganda estatal como instrumento de manipulação das massas e sobretudo, traz à tona a que talvez seja a discussão mais relevante da última década: a manipulação da verdade como ferramenta de controle social.

Através de um texto agudo e provocativo, Andor reafirma que Star Wars permanece culturalmente relevante não pela embalagem visual, mas pelo conteúdo que carrega — e o faz com inteligência, sem subestimar sua audiência. É uma obra que fala tanto com fãs antigos quanto com quem nunca teve contato com a saga, provando que boas histórias não dependem de muletas.

Mais do que isso, Andor é uma demonstração clara de como a Disney deveria encarar seu produto: não apenas como uma máquina de gerar lucro - eu sei que isso nunca vai acontecer - mas como uma entidade viva, que carrega em sua essência um espaço legítimo de expressão artística e política.

No fim, Star Wars nasceu e vive até hoje como um símbolo de esperança — e rebeliões são feitas de esperança. Andor é uma carta de amor de Tony Gilroy a Star Wars, uma carta ao jovem George Lucas, e por isso, merece ser vista. Não pela nostalgia, mas pelo espírito revolucionário que ainda pulsa em suas veias.

Referência: CAMPBELL, Joseph. O poder do mito, São Paulo: Palas Athena, 1990

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