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Liga da Justiça de Zack Snyder (2021) | Crítica

“Se o navio de Teseu trocar de peças ao longo de uma viagem, ainda será o mesmo?” A discussão sobre o paradoxo do navio de Teseu (levantada na última produção da Marvel Studios, inclusive) é um ótimo ponto de partida para compreender que qualquer discussão sobre a Liga da Justiça de Zack Snyder não se sustenta de maneira isolada da sua primeira versão, o fatídico corte de cinema lançado em 2017. Com um pouco mais de 4 horas de duração, a nova versão de Liga da Justiça talvez decepcione quem espera uma história diferente, mas pode ser uma grata surpresa para quem espera um filme diferente e até o momento ultrapassa a intenção de ser apenas um presente para os fãs, evidenciando a importância da consistência criativa de um projeto em todo o seu percurso, até a finalização.

Antes de qualquer coisa, é importante lembrar dois pontos: a base narrativa é a mesma do filme de 2017 e que estamos assistindo um corte de sala de edição. Tudo o que foi filmado em primeiro momento, cenas adicionais, possibilidades narrativas, cenas contemplativas, momentos que serviriam de bônus para home media e possível pós-créditos foram inclusas para formar o corte do diretor, que trabalhou a exposição completa do material bruto. É de se esperar que seja um filme inflado, com ritmo desajustado pelo excesso e cheio de firulas que não importam para trama principal, o que surpreende por que não é o que encontramos e sim um filme que expande a própria mitologia e esmiúça em detalhes que não seriam possíveis numa experiência de cinema.

As quatro horas de duração assustam, mas ao contrário do esperado, tempo é o que favorece a existência do corte de Zack Snyder. Diferente da concorrência que construiu filme após filme o background de seus personagens, “ZS Justice League” vai trabalhando as nuances e conflitos internos conforme a história avança, o que melhora bastante nossa relação com os protagonistas e o vilão, trabalho que foi esquecido na versão de cinema.

Talvez o que mais seja doloroso na versão de 2017, seja a forma que os personagens são unidimensionais e como suas jornadas não tem peso. A Liga da Justiça, panteão de heróis da DC Comics, traz no elenco nomes tão famosos quanto importantes para histórias em quadrinhos. Aqui existe razão, peso, motivo e objetivo para que Superman, Batman, Mulher Maravilha, Ciborgue, Flash e Aquaman se unam para derrotar o novo deus Lobo da Estepe, que deixa de ser um saco de pancada em cgi cuja a única função é ser maléfico, para um personagem que possui motivações reais e aparenta ser um inimigo a altura da ameaça que motiva a união desses heróis. Desde o início, sentimos a presença da gravidade da situação que vai crescendo gradativamente conforme o filme avança na sua longa duração.

De forma lenta, mas não enfadonha “ZS Justice League” vai construindo o corpo do filme até chegar ao coração da trama: O Ciborgue. Na exibição original, o Ciborgue tem um papel importante, porém é um personagem vazio. Aqui além da carga dramática dada ao personagem, o filme desenvolve suas potencialidades e fraquezas que são um ponto chave para a resolução do problema. Aquaman e Flash também possuem seus pontos positivos, mas não tão aprofundados quanto o Ciborgue, pois nos planos originais eles teriam filme solo após o lançamento de Liga da Justiça assim a origem desses personagens seria trabalhada posteriormente (ainda estamos esperando um filme do Flash).

O retorno do Superman continua um ponto questionável na narrativa, porém não incomoda a ponto de destoar do que está em construção, como ocorre no corte de cinema. De maneira fluida, mesmo que num traje preto sentimos a presença esperançosa do Superman na sua participação. Ao fim do filme, a impressão que temos é que o Superman surge apenas como uma participação de luxo visto que a resolução do conflito cai na mão de outros personagens e a força bruta que ele traz podia muito bem ser substituída por outros. Dividido em seis partes e um epilogo, o filme tem seus altos e baixos, pois passa muito tempo construindo a ameaça e quando chega ao gran finale é um momento a parte: o terceiro do ato do filme (que compreende a parte 5 e 6) é grandiloquente, frenético e bem construído diante do tamanho do desafio enfrentado pelos heróis. 

Se você não gosta dos outros trabalhos de Zack Snyder, não vai ser este filme que vai mudar sua percepção. Desde o dramático primeiro frame até a desnecessária cena final, este é um filme que contem em cada momento a assinatura de Zack Snyder com todos os seus maneirismos, mas felizmente é possível notar que o diretor aprendeu um pouco com as críticas. Muito mais leve que “Batman vs Superman”, “ZS Justice League” se mantém um filme sério e sisudo, mas abre espaço para respiros de narrativa, pitadas de humor (em alguns momentos má colocada) e diálogos mais naturais por mais que uma ou outra fase de efeito quebre esta constância que ainda assim é bem equilibrada.

Os pontos negativos surgem pela própria natureza do filme ser uma versão sem cortes e portanto sem uma “aparada nas pontas”. Muitas sequências são desnecessárias no ponto de vista narrativo como a participação surpresa de outro herói icônico da liga que é subaproveitado como um grande “vem aí”, inserido na trama de forma desconexa ou então quando aldeões cantam uma canção para Aquaman. Por ser um filme longo essas cenas se perdem em meio ao que importa, mas não deixa de incomodar. O epilogo, com a participação do Coringa do Jared Leto é outro ponto baixo: não há porque insistir em algo que não vai ocorrer, não favorece a narrativa, é jogada de qualquer forma e ainda traz de volta a performance plástica de Leto como o príncipe palhaço do crime (aquela risada devia ser um crime).

E por mais que muitos efeitos visuais tenham sido melhorados como o visual do Lobo da Estepe e a movimentação do Ciborgue, o excesso de cenários criados virtualmente é um problema, principalmente quando a câmera foca em primeiro plano em algum personagem e o fundo de CGI aparenta ser um grande chroma key distorcido de algum jogo de videogame. Por fim, Zack Snyder entrega o que os fãs tanto pediram: O respeito ao universo DC. A trama adentra o universo dos quadrinhos com fidelidade e evoca a grandiloquência dos deuses antigos, o quarto mundo de Jack Kirby, atlanteanos, amazonas, aliens, tecnologia e magia, tudo isso se sustentando sozinho em seus conceitos como filme e não como referência, didático para o público que não conhece o universo DC e ao mesmo tempo agradando os fãs mais fervorosos sem deixar nenhum dos dois perdidos.

Então voltamos à questão principal. Temos o mesmo barco, com peças e tábuas trocadas. Por mais que a narrativa seja a mesma, nessa roupagem temos um filme com tom, profundidade, ordem cronológica e objetivo totalmente diferentes da versão conduzida por Joss Whedon. Ainda que falho, Liga da Justiça de Snyder é uma versão superior à vista pelo público nos cinemas que já valeria a pena assistir por não ter um Superman com rosto de cgi mal feito ou piadas sexistas com a Mulher Maravilha, porém surpreende como uma aventura que tem propósito e consistência o suficiente para honrar o legado dos super-heróis que adapta. Você sabe que ganhou, Zack Snyder!


Nota: 8,2

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