“Coloque a diversão na disfunção”, Marvel Estúdios inova ao apresentar a jornada de Wanda até seu heroísmo por meio do redescobrimento pessoal e superação do luto (mas claro, sem escapar da fórmula) | SPOILERS LEVES
Em seus primeiros episódios, ‘WandaVision’ segue uma cartilha feita pelas sitcoms dos anos 50 a 00, cada episódio representando uma década e seu formato de humor, produção e montagem. A minissérie segue um formato metalinguístico de prestar homenagem a grandes sucessos de cada década, mas sem nos deixar esquecer que o que estávamos assistindo era algo artificial e não-natural. Víamos algo através do filtro de alguém.
O primor e a atenção aos detalhes surpreendem ao longo de seus nove curtos episódios, mas vindo da Marvel isso não é novidade pra ninguém, certo?! A questão que fica é: como se desenvolve uma narrativa coesa para o público com um conceito tão caótico? Então caro leitor, eu vos falo. A narrativa situa nosso casal de heróis vivendo uma realidade baseada nas situation comedy (ou sitcom, é um subgênero de seriados de TV que acompanha pessoas comuns vivendo situações mundanas) e como você pode imaginar, eles estão em nossas telas ensaiando para o show de mágica da vizinhança e enfrentando as dificuldades da cozinha pela primeira vez. Coisas do dia-a-dia da classe média norte-americana. Entretanto, por mais que nossos protagonistas queiram esquecer, eles ainda são dois dos heróis mais poderosos da Terra e dentro dessa realidade perfeita, eles, eventualmente, vão se encontrar confrontados por pequenos eventos que ameaçarão a paz do subúrbio de Westview.
O HUMOR NÃO ATRAPALHA? ou seria o Mephisto?
O tom cômico domina o Universo Cinematográfico da Marvel, ele permeia
praticamente todo filme lançado a partir de Homem de Ferro (2008),
algo que tem até se tornado alvo de críticas nos últimos anos. Aqui, isso é
justificado por conta do formato escolhido, mas, tal qual queijo e goiabada,
o humor cria contraste e traz ainda mais a sensação de que há algo errado
quando sentimos a entrada abrupta de um suspense descabido. É muito bom
gargalhar com as piadas farofeiras do casal e de sua vizinha enxerida. A
química entre Elizabeth Olsen e Paul Bettany é muito legal de
se ver. Olsen mostra pulso firme e verdadeira paixão, enquanto Bettany
traduz bem o jeito antiquado de um andróide em processo de adaptação ao
papel de um verdadeiro marido fofo e preocupado. Você se vê torcendo pelos
dois, só para então vermos sua paz ser interrompida por uma militar
perguntando do seu irmão morto na frente dos seus recém-nascidos e desandar
tudo.
Trazendo episódios com uma média de 35min de duração (fora os mais de 10min de créditos), ‘WandaVision’ conseguiu aproveitar muito bem o seu tempo e se mostrou como um excelente estudo de personagem. Até aquele momento, Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) havia participado de quatro grandes filmes do Universo (Era de Ultron, Guerra Civil, Guerra Infinita e Ultimato), todos com o tempo lotado com suas grandes narrativas, sempre precisando concluir ou encerrar um ciclo maior. Portanto, trazer a vingadora para as telinhas nos possibilitou ver todas as nuances de sua personagem por meio de uma bela atuação de Olsen. Nossa convivência semanal com Wanda nos dava tempo de entender suas dores e motivações, ao mesmo tempo em que criava interesse no público para descobrir se era mesmo ela quem estava por trás de tudo. Quem acompanhou as redes sociais durante as semanas de lançamento dos episódios viu Wanda passar de possível vilã a vítima do destino e maior querida entre os fãs do gênero.
E A PROMESSA DE FILMES AUTORAIS, HEIN?
é o Mephisto ali no espelho?
A direção de Matt Shakman (Game of Thrones, It’s Always Sunny in Philadelphia) demonstra extrema sensibilidade ao tratar do luto da gêmea Maximoff e dá espaço para atuações comoventes dos protagonistas. Principalmente por conta do momento tão delicado que vivemos, onde a história da personagem ressoa com diversas outras no mundo real que também perderam quem ama. As cenas dramáticas não são muitas levando em consideração a temática, mas neste pouco tempo oferecido nós vemos diálogos verdadeiramente emocionantes e cenas emblemáticas para aquela história.
Dito isto, é notável que o estúdio deu uma segurada nesse aspecto da
produção, deixando para abordar de fato em seus últimos momentos. Nota-se
que eles deram preferência a sutileza para a série ao invés de mergulhar
fundo na psique da personagem. Isso se faz claro quando vemos, entre alguns
outros cortes, o storyboard de uma cena do oitavo episódio
(‘Previously on’), onde vemos em flashback Wanda invadindo o
prédio da S.W.O.R.D para recuperar o corpo do Visão.
Na versão deletada da cena, somos apresentados a uma pessoa muito mais
raivosa frente ao fato da morte de seu amado ser esquecida enquanto Tony
Stark (Robert Downey Jr.) é tratado como herói mundial. Não sabemos o
porquê de não vermos esse
corte, mas é um grande desperdício, já que isso daria ainda mais
profundidade ao progresso do luto e motivação da personagem para
chutar o balde. Afinal de tudo, Visão também morreu para salvar a
galáxia e sua população não estava nem aí pra ele.
Essa falta de pulso do estúdio acaba por minar um pouco a tão grande esperança que todos temos de vermos uma fuga da fórmula Marvel. Um potencial que enxergamos muito nos primeiros episódios, mas que ao chegar ao final nos vemos novamente assistindo a mesma estrutura de toda produção do estúdio. Não me entenda mal, a maneira escolhida para finalizar o arco da personagem deixando o foco apenas nela foi a melhor opção, afinal era desde o início uma história dela e sobre ela. Entretanto a presença cada vez maior de diálogos expositivos e uso de frases de efeito quebrou um pouco da fantasia que havia sido criada tão bem até ali.
FOI A JAC SCHAEFFER O TEMPO INTEIRO
mas acho que foi a mando do Mephisto viu
O roteiro serviu um prato cheio para os teorizadores de plantão.
Jac Schaeffer (Viúva Negra, Olaf - Em uma Aventura Congelante, As Trapaceiras) fez um trabalho
fantástico em tornar o formato semanal da série favorável para a história,
sabendo o exato momento de lançar alguma pista ou de encaixar alguma linha
de diálogo que poderia ou não ser uma pista do que estava
acontecendo. Maior exemplo disso, e podendo até servir como objeto de estudo
separado da obra geral, foi o uso dos comerciais tão característicos de cada
época em que o episódio se passava para instigar a imaginação do espectador
e, de maneira bem classuda, dar pistas do passado da personagem.
Aliado a isso, Schaeffer conseguiu trazer personagens secundários de
outras sagas e mesclá-los de forma bem sucedida. Foi sensacional ver a
ex-estagiária mais eficiente da galáxia, Dra. Darcy Lewis (Kat Dennings), novamente no universo, ainda mais ao lado do agente Jimmy Woo (Randall Park), resultando na dupla mais improvável de se ver dos últimos tempos. Mas
não tem pra ninguém quando o monstro, Kathryn Hahn (Perfeita é a Mãe, Transparent) aparece em tela. A atriz conseguiu roubar a atenção em todas as cenas que
participava, apresentando de forma magnífica o camp tão
característico da série, mas sem parecer exagerado, ficando eternizada nos
anais nerds por sua revelação tão icônica.
Os novos personagens tiveram seu espaço para brilhar nos palcos de
Westview, mas talvez não tanto quanto os veteranos. Monica Rambeau (Teyonah Parris) e o diretor Tyler Hayward (Josh Stamberg) eram o lado mais sério
do núcleo de fora do Hex, e os dois sofrem um pouco com a progressão
da série. Vamos começar pelo mais simples. Hayward cresceu nas
suspeitas do público por ficar sempre em uma área cinza ao tratar do caso.
Levantando até teorias dos fãs onde ele seria o Ultron (olha o que você fez,
Jac Shaeffer). Mas ao final de tudo, essa pegada sutil é colocada
completamente de lado para transformá-lo em um completo vilão burro.
Exemplo: ele participa sem necessidade da operação que invade o Hex e tenta
atirar em seres claramente super poderosos.
O caso de Mônica é mais complicado. Essa era pra ser uma versão de uma
personagem que vimos quando criança e que voltaria apenas no segundo
capítulo da história da Capitã Marvel (2022). O propósito de sua
participação era servir de âncora para Wanda no mundo real por também estar
vivenciando o luto. Entretanto, esse aspecto fica meio raso e inexplorado
para a personagem, e faz parecer que ao final de tudo o único objetivo para
integrá-la à narrativa era ter justificativa para seu encontro com Nick Fury
(Samuel L. Jackson).
MAS AFINAL, VALE A PENA VER?
agora é sério, eu acho que a mosca é o Mephisto
‘WandaVision’ conseguiu surpreender ao trazer uma obra audiovisual com um formato incrivelmente interessante vista por olhos imparciais. É uma homenagem à história da TV americana e à forma como o retrato da família perfeita evoluiu ao passar dos anos. Tudo isso apresentando uma história bem redondinha sobre a dor da perda e superação.
Vista como uma peça menor dentro de um universo é onde começa a diversão,
especialmente se pegarmos como exemplo o uso do tão esperado estereótipo da
mulher louca e superpoderosa, e como isso foi subvertido na narrativa. Mas
também trazendo pistas para o multiverso da Marvel e a possível influência
de temáticas místicas no próximo grande arco.
Portanto, após unir a Internet inteira pra tentar adivinhar o que tava
acontecendo, render bons memes e até mesmo trazer pessoas de fora da bolha
para ver o que tava rolando em Westview, ‘WandaVision’ dá o pontapé
mais bem dado para o início da próxima grande fase do
MCU. Agora nos basta aguardar
os próximos lançamentos do Disney+ e ver se eles atingem as expectativas
criadas. Tô falando com você mesmo,
Falcão e o Soldado Invernal.
8,5/10 (só porque faltou o Mephisto)
0 Comentários