Para compreender Pose, precisamos adentrar na cultura dos
ballrooms dos anos 80 e 90: festas frequentadas predominantemente
por gays e transexuais de cor, cujo objetivo era realizar batalhas de
dança, desfile e moda por troféus, representando uma casa. As casas são
compostas por pessoas que foram expulsas de suas famílias por serem quem
são e formam um lar liderado pela mãe da casa, normalmente uma mulher
trans ou drag queen que acolhe quem não tem para onde ir dando
moradia, comida e acolhimento. Tudo isso envolto na crescente
criminalidade, abuso de drogas e a proliferação da AIDS e do HIV.
Dentro desse contexto, Blanca, residente da casa da Abundância, liderada
pela narcisista Alektra Abundância, descobre que é soropositiva e parte
para formar uma casa própria, a casa Evangelista (em homenagem à
supermodel Linda Evangelista) junto com alguns “filhos” encontrados pelo
caminho. Nessa jornada, somos apresentados à diversidade de vivências
marginalizadas dentro da comunidade LGBTQIA+, em meio às festivas
performances nos bailes.
É na extrema conexão com os personagens que Pose se agarra para brilhar.
Aqui, somos apresentados a histórias de vida e não simples pessoas, o que
nos fazem compreender as atitudes tomadas por cada um, mesmo que não sejam
as mais louváveis. De todos, quem representa melhor esse laço afetivo com
os personagens é Elektra Abundância, interpretada pela incrível Dominique
Jackson. Egoísta, arrogante e vingativa, a mãe da casa Abundância é uma
péssima mãe. Mas, apesar de tudo, há a compreensão dos motivos que a
tornaram essa figura diante de todas as dificuldades para se afirmar como
mulher mesmo com a disforia com seu corpo.
Outro destaque fica por conta de Angel, jovem transexual interpretada por
Indina Moore, que precisa recorrer à prostituição para se sustentar (uma
realidade ainda nos dias de hoje) devido à falta de oportunidades.
Sustentando um affair com um jovem yupiee (Evan Peters), somos jogados ao
contraste da realidade das ruas em que as pessoas trans são jogadas para
sobreviver e a privilegiada vida branca e hétero suburbana. Por mais que o
roteiro utilize recursos baratos para arrancar emoções nesse núcleo, como
a trilha sonora autoexplicativa com músicas românticas dos anos 80 e
diálogos água com açúcar, ainda assim é essencial mostrar a discrepância
de oportunidades oferecidas e o contexto social dos anos 80.
Por fim, conhecemos também Damon, jovem dançarino expulso de casa pela
família religiosa e homofóbica, que encontra em Blanca a chance de sair
das ruas e se tornar um prodígio na dança. Esse núcleo também é composto
pelo seu interesse amoroso Ricky, um jovem morador de rua e o jovem
bissexual latino Lil’ Papi, ambos também adotados por Blanca. Apesar da
carga dramática, Damon é um personagem que começa grande e vai decrescendo
em narrativa ao decorrer da série, muito se dá pela atuação menos
inspirada em relação aos protagonistas dos outros núcleos. Seu ponto alto
está no episódio 4, onde a suspeita do jovem estar em soroconversão devido
a uma forte gripe que põe todos em contato com a probabilidade do HIV.
Já que chegamos a esse ponto é inevitável não falar de como Pose retrata
o medo e a angustia que o HIV trouxe durante esse período, abordada de
maneira sensível, tocante e muito urgente. Blanca, motivada pelo seu
diagnóstico se une a Pray Tell que também se descobre HIV positivo durante
a temporada, para protagonizar cenas arrebatadoras que expõe a fragilidade
de uma sociedade preconceituosa com as pessoas que tem o vírus. MJ
Rodriguez e Billy Porter esbanjam carisma e talento, entregando
performances memoráveis para a história da TV norte-americana liderando
uma série realizada majoritariamente por minorias raciais e de gênero.
Tecnicamente, Pose merece aplausos pela recriação absurda dos anos 1980 e
uma direção de arte que usa e abusa da iluminação colorida com foco no
neon vibrante dos nightclubs que abrigam as edições glamourosas dos
ballrooms. Os figurinos são criativos, elegantes, extravagantes e
um show a parte do processo. Por mais que os enquadramentos e fotografia
não sejam os mais inventivos ou originais, optando sempre pelo básico,
nunca são escolhas erradas. Os bons excessos ficam por conta das absurdas
batalhas de vouge, sequências de desfiles e a beleza diversa das pessoas
fazem acontecer.
Diante de tantas versões higienizadas do mundo underground LGBT, Pose
estabelece um novo diálogo que conversar com quem importa: a própria
comunidade, sem fazer questão de amenizar temas ou situações para um
público hétero. Dessa forma, o protagonismo de pessoas trans e gays,
pretos e latinos nada mais é do que o lugar de direito das pessoas que
sempre estiveram na linha de frente e de certa forma uma homenagem aos
nomes de milhares de vidas que a história fez questão de esquecer,
padecidos pela AIDS durante o pico da doença. A categoria é:
Orgulho!
9/10
2 Comentários
Amei a crítica! 💛
ResponderExcluirFico grato pelo Feedback! Fica ligado no site tá chegando muito conteúdo bacana!
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