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Matrix Resurrections (2021) - Crítica

 


Poucos blockbusters nos últimos anos se sustentam de ideias originais. Sequências, adaptações, continuações e principalmente reboots que buscam apenas o sucesso pela nostalgia caça-níquel predominam as salas de cinema lotadas, plateias estas que vão à espera do já esperado, com intuito de saciar sua sede de memória afetiva. Matrix Resurrections não é um filme original e tem na grande promessa do retorno ao surpreendente mundo criado pelas Irmãs Wachowski no fim dos anos 90 o principal fator que o torna tão peculiar nessa onda de reviver o passado. Se, em 1999, The Matrix trouxe discussões sobre compreensão da realidade, tecnologia e conceitos filosóficos sobre simulação e simulacro, em 2021 a tão aguardada sequência de Matrix Revolutions olha para si mesma a cerca do que ela realmente é.

Em um mundo de duas realidades - a vida cotidiana e o que está por trás dela - Thomas Anderson terá que escolher seguir o coelho branco mais uma vez. A escolha, embora seja uma ilusão, ainda é a única maneira de entrar ou sair da Matrix, que é mais forte, mais segura e mais perigosa do que nunca. Dessa vez, dirigido apenas por uma das irmãs, Lana Wachowski retorna à Matrix com mais experiência, mais segura e principalmente ciente de si mesma, de sua reputação divisiva e da importância de sua obra para o cinema como um todo.



Antes de qualquer coisa é preciso tirar o elefante branco do meio da sala, por mais que ele nunca de fato vá sair de lá, afinal até mesmo esta escolha é uma ilusão. The Matrix é um daqueles casos únicos no cinema em que tudo esteve alinhado: precisão, ideias, técnica e principalmente, a época. Em 1999, prestes a virada do século ainda era uma dúvida aonde o avanço tecnológico iria nos levar, tanto fora quanto dentro das telas já que o CGI e os efeitos visuais estavam engatinhando para filmes cada vez mais realistas. Mais de 20 depois, já temos respostas para muitas dessas perguntas por mais que estas não sejam a que queremos e quanto ao cinema, em tempos de filmes evento, nada será tão surpreendente novamente quanto ver pela primeira vez o bullet-time da sequencia em que Neo desvia de tiros no alto de um prédio.

Lana Wachowski, prisioneira de sua própria obra sabe disso. E por mais que Matrix tenha sido concebido em um universo expandido, é uma trilogia com inicio, meio e fim. O fato é que Neo está morto, Trinity também e houve paz negociada entre humanos e máquinas. O segundo fato é que por mais que esta história tenha sido finalizada, independente de qualquer coisa a Warner Bros iria arranjar formas de explorar mais uma vez uma franquia de sucesso, com sequencias, reboots, spin-offs, com ou sem as irmãs Wachowski. Se isso seria feito de qualquer forma, que fossem nas mãos de suas criadoras, com aquilo que elas têm a dizer sobre o mundo.



E como mulher trans, Lana retorna para essa sequência mais queer do que nunca. Matrix Resurrections nos apresenta a temática de escolhas que já foram traçadas, mas que precisam ser feitas (assim como a transsexualidade) para seguir em frente. Essas escolhas nem sempre precisam ser binárias. Vida e morte, 1 e 0, pílula azul ou pulula vermelha, Humano ou Máquina, Thomas Anderson e Neo, Tiffany e Trinity, Neo e Smith. Entre o branco e preto, é possível escolher os tons de cinza, acolhendo que nossa essência nem sempre é o que o sistema nos pede para escolher.  

Nesse momento, encontramos velhos conhecidos. Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss retornam aos papéis de Neo e Trinity com uma química invejável. É possível sentir a sinergia dos atores, assim como o carisma sóbrio de ambos em cena, nos momentos dramáticos e quando a trama requer ação. Os novos personagens também são uma boa adição (foco no elenco reaproveitado de sense8), destaque para Bugs, personagem não-binaria vivida por Jessica Henwick. Também é bom rever antigos personagens que apesar de não entregar atuações memoráveis, fazem bem o papel de nos reconectar à franquia. Mas o saudosismo para por aqui.



Com uma nova paleta de cores, mais vibrante e menos esverdeada, The Matrix Resurrections oferece a coloração da tecnologia na década de 2020. Essa escolha fica ainda mais evidenciada nos flashs que surgem como memória. É impossível não distinguir a diferença da fotografia, que por opção da diretora, não tem retoques de remasterização. Já a coreografia de luta dessa vez não conta com o coreografo Yuen Woo-ping, conhecido por colaborar em produções chinesas e que coreografou a trilogia anterior. Mais contidas, confusas e claustrofóbicas as cenas de ação são menos estilizadas, com mais toques de influencias hollywoodianas atuais e opta por trazer menos surpresas afinal, nada que seja feito aqui será algo novo aos olhos do público pois o estilo de ação da franquia foi copiado a exaustão em outras produções no anos 2000 e 2010. Sobre alguns papeis, é indiscutível que Hugo Weaving e Laurence Fishburne são insubstituíveis. Por mais que suas “novas versões” sejam carismáticas, elas não sustentam a presença inigualável de Morpheus e Smith na trilogia original. Essa falta da presença de personagem faz com que cenas que deveriam ser marcantes no roteiro, não tenham o devido peso.

Ao longo do filme, Lana e o elenco se divertem com expectativas autossabotadas e irônicas sobre si próprios. São em momentos como o bullet time reverso, a presença cômica de Merovíngio sendo narrador da ação clichê, a Matrix configurada como uma autorreferência à realidade do filme e a nossa, além dos comentários sucintos, mas pontuais sobre doenças psicocognitivas e como nós lidamos com a tecnologia atualmente. Tudo isso faz com que Matrix Resurrections se configure como uma crítica ao publico, si mesmo e à indústria que está inserido.



Por fim, The Matrix Ressurections serve uma baita quebra de expectativa a quem vive de saudosismo. E uma frase que poderia sintetizar de forma muito simplista é que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, apesar de poder cair duas vezes. Descrito por Lana como uma forma de superar o luto pelos pais, Matrix Resurrections encara vida e morte pela visão do amor. Ver rostos familiares e ter com carinho a lembrança, olhando pra frente. É sobre se olhar no espelho e se reconhecer diferente, mais lento e envelhecido sabendo que você nunca será o mesmo de 20 anos atrás. O tempo passou, as discussões são outras, o mundo é outro e nada pode replicar que já foi, mas a questão é: se a escolha já está tomada, você descartaria a oportunidade de viver o novo ou seguiria olhando para o passado, aceitaria a perda, apenas para manter o que você tem no momento, descartando possibilidades diferentes?

The Matrix Resurrections não entrega respostas. A escolha de encarar elas é sua.


Nota: 8,5       


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