Marcado por absurda impotência frente à autoridades e subtexto político, Os Sete de Chicago traduz bem um dos julgamentos mais famosos da história estadunidense para as telonas
Com a difícil tarefa de condensar quase cinco meses de julgamento e o cenário político que circundava a época do caso em um filme de duas horas, Aaron Sorkin (A Rede Social, Steve Jobs) demonstra extremo tato ao conseguir balancear bem a quantidade de fato e ficção para criar uma narrativa coesa, comovente e socialmente relevante.
O julgamento dos sete de Chicago (os oito, incluindo Bobby Seale) foi um dos maiores casos judiciais da história dos Estados Unidos, e grande parte dessa importância histórica se dá por conta de seu plano de fundo sócio-político e a inegável influência do Governo no andamento do julgamento. Nota-se que o que não faltava era material para tratar em pouco tempo.
O ano era 1968, os Estados Unidos já estava há nove anos imerso na Guerra do Vietnã. O país inteiro estava direcionado a um conflito visto como muitos como “desnecessário”. Os números de soldados enviados para o campo crescia exponencialmente e, junto disso, crescia o número de mortos e feridos. A população estava insatisfeita, protestos por direitos civis aconteciam por todo o território, mas nenhum atingiu proporções como o de Chicago neste ano. Grupos ativistas decidiram realizar uma manifestação pacífica durante um dos eventos de mais atenção nacional da época: a convenção na qual o Partido Republicano escolheria o seu candidato para a corrida presidencial. O protesto aconteceu. Pacificamente? Talvez não exatamente.
A história começa de forma frenética, com cortes rápidos para apresentação dos oito réus, seus partidos, sua linha ideológica e sua intenção com relação à manifestação. Por não existir uma familiaridade com a história do país (em grande parte do público, assumo), pode haver certa dificuldade de acompanhar o que está em tela, principalmente por conta da música de fundo que adiciona mais uma camada de velocidade ao momento. Mas tudo que é mostrado será devidamente destrinchado ao longo da narrativa. Uma decisão criativa predominante até o fim da narrativa que, às vezes, pode sobrecarregar quem assiste.
Com tantos acontecimentos para contar, era muito fácil perder o fio da meada e deslocar a atenção da jornada dos oito ativistas para algum outro ponto narrativo como a guerra ou a situação geopolítica do país. No entanto, Aaron Sorkin (diretor e roteirista) e Francine Maisler (direção de elenco) foram muito perspicazes ao selecionar não só um elenco estrelado, mas um que se adequasse exatamente à identidade de cada um daqueles líderes políticos e não deixasse a bola cair em momento algum.
A dinâmica do grupo inteiro é muito interessante de se assistir, principalmente por ficar explícito a diferença de abordagem entre grupos de um mesmo lado político. Sacha Baron Cohen (Abbie Hoffman) rouba a cena com seu timing cômico, mas principalmente por conseguir atingir todas as nuances da complexidade de seu personagem, que durante as entrevistas da época flutuava entre o hippie piadista que vemos e o líder político que sabe exatamente pelo que luta. Para um filme com foco em um julgamento, Os Sete de Chicago consegue trabalhar muito bem o arco de Abbie (Baron Cohen) e Tom (Eddie Redmayne). Duas personas contrastantes que entram em conflitos ao longo do filme e culminam em uma inversão de suas posturas com a revelação dos fatos.
Algo que talvez não possa ser dito da participação de Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II). Não é abordado com sutileza o porquê da presença do líder dos Panteras Negras no julgamento e Bobby protagoniza os momentos mais desconfortáveis do longa quando entrava em confronto com o Juiz Hoffman (Frank Langella). Entretanto, apesar de satisfatória, sua remoção do caso acontece de forma extremamente abrupta, deixando uma sensação de que havia alguma ponta ainda a ser resolvida. Um ponto que se destaca meio à uma montagem tão interessante até aquele ponto.
Uma narrativa baseada em fatos que se passa em grande parte na corte é muito fácil de se tornar cansativa, mas a escrita de Sorkin mostra muita esperteza ao brincar com o espectador e apresentar a história de forma dinâmica, fazendo uso de flashbacks e narração de um momento futuro. Aliado a isso, a história real já era um grande teatro, então não é à toa que vemos algumas cenas dignas de novela, com direito a piadas o tempo inteiro, soco em policial, réu amordaçado e clara parcialidade do juiz. Por mais absurdo que pareça, não foi exagero do roteiro, a maioria do que vemos realmente aconteceu de uma forma ou de outra.
Mesmo apresentando tanta palhaçada, o longa não falha em representar as problemáticas sociais do país. Desde cenas explícitas, como a violência excessiva por parte da polícia durante a repressão dos protestos; até sutilezas como o racismo intrínseco à cada olhar do Juiz e o desdém com os direitos de um homem negro. É neste aspecto que o filme é muito eficiente, pois como espectadores, a impotência e a revolta frente ao que vemos é palatável e amarga. Principalmente, por vivermos um tempo onde o Black Lives Matter toma as ruas e as redes, para lutar contra a constante crescente em mortes de pessoas pretas.
É clara a falta de fé para com as autoridades responsáveis por, na teoria, tratar do melhor interesse do cidadão. O clima tenso é digno de um thriller de espionagem da Guerra Fria, justamente o momento histórico que o filme se situa e que se faz presente sem ao menos ser citado. A violação de direitos e o abuso de autoridade são pontos universais abordados sem medo que levantam discussões ainda em pauta CINQUENTA E DOIS anos depois. O uso de imagens reais entre cortes de câmera só contribui para uma transmissão mais credível do que vemos.
Os Sete de Chicago possui conteúdo suficiente para preencher o tempo de uma minissérie, mas com o tempo que lhe foi dado, conseguiu traduzir muito bem (mesmo que às vezes de maneira corrida) a luta e as motivações dos oito protagonistas, enquanto, gradualmente, apresenta o estado político que o país se encontrava.
A produção expande sua identidade para além de um drama político e atinge um status de importância social para os Estados Unidos, por abordar um pedaço da história nacional que reflete os maiores problemas da nação (e talvez do mundo). Especialmente em um momento onde a luta por direitos acontece em sua grande maioria por trás de telas digitais.
9,0
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