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Bela Vingança (2020) | Crítica

 

Um estupro. Homens predadores. Uma jovem sedenta por vingança. Talvez essa estrutura, levada a exaustão nos anos 2000 e início dos anos 2010 pelo gênero thriller e torture porn afaste espectadores ou encontra um público que já sabe o que vai assistir e anseie por cada clichê do roteiro prometido. Em tempos de “Me Too”, Bela Vingança entrega um thriller que subverte todas as expectativas do gênero “rape revenge” e entrega tudo aquilo que você não quer ver ou sentir, seja para positivo ou para o negativo.

Cassie (Carey Mulligan) é uma jovem balconista de 30 anos que ainda mora com pais e que guarda um segredo: à noite ela vai à festas, finge que está bêbada e espera um homem assediá-la para concluir sua vingança. Talvez, dar mais do que a premissa acabe por estragar a sagacidade de Bela Vingança, pois é um filme calcado no incerto e principalmente na certeza de que o público pode prever cada passo dado pelo roteiro, que às vezes escorrega nessa prepotência, mas quando acerta é espetacular.

Um dos principais motivos desse filme ser tão bem sucedido em sua proposta é a performance espetacular de Mulligan, que é com certeza um dos trabalhos mais primorosos de sua carreira, desde Vida Selvagem (2018). Cassie é uma personagem quebrada emocionalmente e isso é perceptível em sua postura, dicção e desinteresse pelo o que ocorre ao seu redor com sua vida, mas também terrivelmente assustadora e dúbia em seus atos, onde não há como prever se ela de fato realizou algo extremamente pesado ou apenas sugeriu o ato. A forma como Mulligan constrói uma Cassie cheia de camadas, dúvidas, potencialmente desequilibrada, sobretudo, muito próxima da realidade põe os sentimentos do espectador em cheque.

E se há uma coisa que o espectador é nesse filme, é manipulado. O filme desencadeia uma série de sentimentos genuínos sobre estupro. Diferente de outras obras do gênero que apela pelo sentimento de olho por olho, dente por dente, aqui somos entregue à raiva, ao descaso, ao sentimento de revolta e principalmente de frustração. Tudo isso dentro uma trama que entrega bons momentos de tensão e cômicos na medida certa. Talvez o único deslize nessa estrutura sejam os personagens de apoio que caem em diversos clichês do gênero, mas que em nenhum momento compromete a genialidade do roteiro.

A direção de Emerald Fenell é outro acerto do filme, que consegue manter um ritmo tenso durante mais de 1 hora e meia intercalando momentos hilários, descontraídos, românticos, sem perder o foco narrativo. Bela Vingança desliza graciosamente sobre camadas de outros gêneros como a comédia romântica, mas nunca se entrega totalmente, o que realça ainda mais nossa desconfiança dentro da narrativa, que a qualquer momento pode destruir o castelo de cartas que o roteiro vem construindo pouco a pouco. Essa construção ainda potencializa todos os sentimentos que vem pela frente, pois nada mais devastador do que a previsão da tempestade.

E chegando ao quesito visual, Bela Vingança entrega estética muito bem requintada. A fotografia do filme faz questão de utilizar uma paleta de cores pastel durante os momentos da “vida normal” de Cassie ressaltando a feminilidade e a inocência que a personagem transmite e vira do avesso quando ela revela seus segredos, com cores neon e escuras ao encontrar a perigosa versão de Cassie. Fora esse detalhe que salta aos olhos, outro ponto bastante positivo é o uso de enquadramentos milimetricamente centralizados em momentos que precisamos focar com bastante intensidade em Cassie e suas reações, sejam elas falsas ou não, o que por muitos momentos traz muito desconforto para quem está assistindo.

No geral, Bela Vingança ganha por diversos pontos em que o fator surpresa é utilizado com muita inteligência pela direção cuidadosa em todos os seus aspectos. Seja na fotografia, atuação, direção e roteiro, a trama é um tapa na cara sobre questões muito sérias a cerca da condição que mulheres vivem sob um terror que nenhum homem irá conseguir entender e talvez aí esteja a grande aflição de Bela Vingança: não ser submetido a tortura física, mas o horror psicológico de estar sempre a espreita da possibilidade da violência sexual.

Nota: 9,0


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