Não é necessário se aprofundar muito em cinema pra saber que Cidadão Kane é um dos filmes mais aclamados da história. Dirigido, produzido e estrelado pelo até então novato Orson Welles, a obra foi um divisor de águas na indústria, trazendo uma renovação no modelo clássico de se fazer filmes, e seu roteiro desafiando o público a se aprofundar na complexidade das camadas presentes na trama. Mas, além de Orson Welles, há outro nome muito importante nessa equação: Herman J. Mankiewickz, crítico de teatro e roteirista que contribuiu de forma significativa para o nascimento de Cidadão Kane. A criação do roteiro desse filme gerou uma série de discussões ao longo da história, onde muitas vezes, se questiona a real participação de Welles na escrita do roteiro. Mank, de David Fincher, busca validar os créditos de Mankiewickz no script de Cidadão Kane, ao mesmo tempo em que traz um retrato intimista e evocador da Hollywood clássica da década de 30.
Acompanhamos a ótica de Mankiewickz (Gary Oldman), que após sofrer um acidente de carro, fica recluso em uma residência produzindo o roteiro de Cidadão Kane, contando com uma ajudinha de Alexander (Lily Collins) para realizar a escrita. Nesse meio-tempo, há diversos flashbacks de alguns anos antes desse período, retratando a presença do roteirista na indústria de Hollywood da época, passando por diversos estúdios renomados, confrontando nomes conceituados do meio, e lidando com seu vício em alcoolismo, que ocasionaria sua morte vários anos depois.
David Fincher (Clube da Luta, Se7en, Garota Exemplar) faz um trabalho competente ao transportar o espectador para a atmosfera da Hollywood clássica dos anos 30. Para isso, utiliza de uma estética em preto & branco, áudio em mono, enquadramentos comuns em filme da época, iluminação sobreposta aos personagens, entre outros artifícios técnicos, e até mesmo na trama, com momentos em que atuações remetem ao estilo da época. Há uma homenagem à época, ao mesmo tempo em que não há uma tentativa de emular um filme do período, até porque, se ele tentasse fazer isso, Mank teria sido reprovado por grande parte do público que está acostumado com outra forma rítmica de filme hoje em dia.
O filme conta com um toque um tanto documental, já que a trama foca em diversas burocracias e percalços presentes na produção hollywoodiana da época, assim como o cenário político da época que afetava diretamente a indústria cinematográfica. Há menções não somente ao próprio Cidadão Kane, mas a outros filmes do período, como O Mágico de Oz (1939) e King Kong (1933). A atuação de Gary Oldman no papel principal é efetiva, ao mesmo tempo que demonstra o cansaço e loucura características da personalidade de Mankiewickz. Outros destaques de atuação ficam para Amanda Seyfreid interpretando a atriz Marion Davies e Lily Collins como Alexander, que apesar de aparecer pouco, suas interações com Herman são algumas das melhores cenas do longa.
Um grande defeito de Mank se encontra na falta de conexão emocional do público com os personagens. O excesso de momentos burocráticos levam a uma monotonia que gera diversas impressões de que podem se estender por muito tempo, mas a mudança de temporalidade renova a cadência rítmica do filme. Então, o longa em diversas vezes fica nessa balança que diminui um pouco sua qualidade. O foco principal aqui é demonstrar que os bastidores para a concepção da história de Cidadão Kane foram bastante conturbados, mesmo que isso demonstre uma certa parcialidade de David Fincher ao dar enfoque a um lado da história. Esse é um debate que ainda tem muito ao que ser acrescentado, mas apesar de tudo, o filme tem um lado muito positivo em fazer uma certa homenagem a um dos períodos mais recordados do cinema, e de suma importância para o que temos hoje na indústria.
Mank demonstra ser a dramaticidade de uma história que provavelmente nunca saberemos com clareza a verdade, também pecando em envolver a quem assiste com uma falta de apego aos personagens. Ainda sim, é uma ótima pedida para quem está interessado em conhecer mais sobre um dos períodos mais recordados e importantes da história do cinema.
7,5/10
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