Algo que é muito recorrente na vida de todo ser humano é o bloqueio criativo. Todo mundo passa por isso pelo menos uma vez na vida, seja na área ou atividade que for, o que causa uma certa aflição em algumas pessoas. O senso de criar algo faz com que tentemos encontrar inspiração em qualquer coisa, por menor que seja. Em um período no início dos anos 60, o renomado cineasta italiano Federico Fellini passou por isso. Vivia um período conturbado em sua vida, então, decidiu criar um filme sobre isso. O filme se chama 8½, e ele mal sabia que ao gravar essa obra, ela se tornaria bastante cultuada, sendo considerado por muitos, como um dos grandes filmes do cinema italiano, e de todo o mundo.
Na trama, o diretor Guido Anselmi (Marcello Mastroianni) se encontra um momento de sua vida em que é dominado por uma grande crise existencial, justo quando lhe é ofertada a proposta de produzir um novo filme, tudo isso atrelado ao fato de que o estúdio e produção estão pressionando-o para iniciar as gravações o quanto antes. Para tentar superar essa crise, procura inspiração em amigos, lugares, lembranças, etc.
Fellini aborda três questões principais, que seriam o bloqueio criativo, religiosidade e a figura feminina. São os temas mais presentes, e que servem para nortear a jornada de Guido, que alterna entre realidade, memórias e ‘’sonhos lúcidos’’, onde sua realidade conversa com sua imaginação. Quando aplicado o conceito de mimese (o ato de se assemelhar), percebemos que isso já existia na produção do filme em si, já que o objetivo de Fellini era transpor os seus pensamentos e sentimentos vividos naquele período. As vestimentas de Guido, o seu jeito de agir, o seu comportamento com as pessoas. Tudo isso são características de Fellini na época, assim como grande parte dos acontecimentos do filme. Na trama em si, Guido, em alguns momentos, retorna às suas memórias, principalmente no período em que fez parte de um colégio católico, onde entra a questão religiosa da história. Também é notável as lembranças de seus pais, ao colocar no roteiro, diálogos que demonstram momentos que gostaria de ter tido com eles. Ao recordar essas histórias, ele resolve colocá-las em seu novo filme.
O pensamento estético de Guido é exposto, principalmente, ao ser apresentado as figuras femininas de sua vida. É mostrado, ao longo da trama, que Guido está sendo bastante infiel em seu casamento, que já não está tão bom. Ele vive em constante conflito com sua esposa, além de possuir uma amante. Em uma determinada cena do filme, vemos um pensamento idealizado dele, aonde, em uma casa, estão presentes todas as mulheres de sua vida. Elas são representadas, por ele, com um status de perfeição, sendo elas suas maiores admiradoras, denotando que elas são uma idealização de seu desejo.
No contraponto do belo, a feiura é representada pelas angústias vividas por ele nesse processo de encontrar inspiração, onde ele até cogita cometer suicídio, por conta da pressão sofrida. Além do bloqueio criativo, é bem notada a presença de uma crise de identidade do personagem, algo que vai, aos poucos e durante o decorrer da trama, sendo um problema resolvido por Guido. Há ainda, para auxiliar ele na produção do roteiro, um crítico que pontualmente o indica soluções que venham a acrescentar mais as suas ideias no roteiro, de forma que seus comentários é o que geram a sobriedade para que o filme possa ser consumido por um público. Um momento muito importante do filme, é quando Guido deve comparecer a uma entrevista coletiva, para falar sobre o andamento da produção de seu projeto. Esse, assim como vários momentos, faz o espectador questionar se o que está acontecendo seja real ou imaginário, mas, logo são percebidos os elementos do subconsciente de Guido, quando aparecem personagens de sua vida, em que ele suplica por ajuda, mas não a obtém, fazendo com que ele vá para a parte de baixo da mesa, e tome uma decisão drástica acerca do pesadelo em que estava vivendo.
8½ é um grande retrato de um diretor que ao possuir dentro de si conflitos e aflições, resolveu não deixar tudo isso para si e quis que outras pessoas percebessem a sua comunicação com eles. É um filme que vai além do fator entretenimento que é o que mais permeia o cinema, mas também é uma carta sobre a vida, a morte, a arte, a beleza, e acima de tudo isso, sobre a nossa imaginação e o quão poderosa ela é para a nossa vida, sendo importante para diversas de nossas decisões.
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